Já se passaram mais de 40 anos desde que Michael Scriven formalizou em sua obra “A Metodologia da Avaliação”, de 1967, as primeiras ideias de uma avaliação formativa (SCRIVEN, 1967). No início da década de 70, Benjamin S. Bloom e colaboradores classificaram as funções da avaliação em diagnóstica, somativa e formativa (BLOOM; HASTING; MADAUS, 1983).
Na medida em que a avaliação fornece aos alunos e professores acesso a informações e dados, que lhes habilitam a analisar o processo realizado e determinar avanços e crescimentos em direção à autonomia e maiores competências, ela deve ser entendida como diagnóstica. Esta função não tem sentido se não ceder espaço a ações individualizadas que procurem identificar no perfil de cada aluno suas habilidades e limitações. Para Luckesi (2006, p. 35), a avaliação como diagnóstica “é um momento dialético de senso do estágio em que se está e de sua distância em relação à perspectiva que está colocada como ponto a ser atingindo à frente”.
A função somativa tem por especificidade fornecer o grau de entendimento alcançado pelo aluno relativo a determinado conteúdo em momentos específicos e finais de um curso ou unidade didática. Entretanto, por vezes, é tomada como sinônimo de prova única aplicada ao final de uma etapa de aprendizagem, que pode não expressar a soma do todo construído no processo e, dessa forma, sofre distorção de sua função, sendo interpretada apenas por apresentar caráter previsível, classificatório, autoritário, comparativo, normativo, hierárquico, disciplinador, sancionador, que induz ao fracasso, que ojeriza os erros, que cria desigualdades, que tem fim em si mesma, que afasta, segrega e desmotiva a busca pela aprendizagem e que está tão presente da avaliação tradicional. É a lógica seletiva a serviço da sociedade como mecanismo de conservação e reprodução.
Em relação à função formativa, a avaliação, no sentido amplo de ser, muito mais do que uma medida, deve ajudar o aluno a progredir na direção dos objetivos traçados, validar as aprendizagens em curso, ser instrumento de feedbacks ao longo do processo ensino-aprendizagem, regular por meio de intervenções pedagógicas e contínuas as situações imprevisíveis do ambiente de aprendizagem, bem como respeitar o tempo da aprendizagem necessário ao aprendiz. É a lógica formativa, ou lógica a serviço das aprendizagens, para a qual avançam as pedagogias mais progressistas e diferenciadas.
Perrenoud (1999, p.14) pergunta: “se a avaliação formativa nada mais é do que uma maneira de regular a ação pedagógica, por que não é uma prática corrente?”. Pergunta que se propaga aos nossos dias: por que é tão difícil implantá-la atualmente? Por que a avaliação oscila ainda entre estas duas lógicas: a seletiva e a formativa? A resposta ele mesmo fornece, ao afirmar que a avaliação formativa “introduz uma ruptura porque propõe deslocar”, a regulação da ação em função da dinâmica do conjunto, “ao nível das aprendizagens e individualizá-la”, ou seja, implica em intervenções pedagógicas diferenciadas pensadas até o final do processo e inseridas numa visão global de regulação das aprendizagens.
Deslocar-se da ação homogenizadora sobre um grupo (o todo), que aparentemente é mais simples, para observar suas partes, é nesse ponto que reside a dificuldade para a apropriação das práticas de avaliação formativa na escola. Perrenoud (1999) cita que, além de políticas indecisas e obstáculos materiais e institucionais numerosos, as causas para a efetivação de uma avaliação formativa e de uma pedagogia diferenciada passam por:
[...] o efetivo das turmas, a sobrecarga dos programas e a concepção dos meios de ensino e das didáticas, que quase não privilegiam a diferenciação. O horário escolar, a divisão do curso em graus, a ordenação dos espaços [...] a insuficiência ou a excessiva complexidade dos modelos de avaliação formativa propostos aos professores [...] a formação dos professores. (Ibid, p. 16)
Uma avaliação que se alinhe a lógica a serviço das aprendizagens e que se enquadre numa pedagogia de ações diferenciadas, deve ter, portanto, o caráter de contínua formação e regulação das aprendizagens. Para Perrenoud (1999), uma avaliação formativa é:
Toda prática de avaliação contínua que pretenda contribuir para melhorar as aprendizagens em curso [...] (Ibid, p.78) [...]É formativa toda avaliação que ajuda o aluno a aprender e a se desenvolver, ou melhor, que participa da regulação das aprendizagens e do desenvolvimento no sentido de um projeto educativo (Ibid, p. 103). [...] Uma avaliação somente é formativa se desemboca em uma forma ou outra de regulação da ação pedagógica ou das aprendizagens. (Ibid, p.148)
Mesmo com todas as dificuldades de efetivação da lógica formativa da avaliação, as correntes pedagógicas têm procurado migrar o aluno para o centro do processo, colocando em foco as aprendizagens.
A Avaliação deve ser informativa e oportunizadora de aprendizagens. Para Zabala (1998), a finalidade da avaliação é ser “[...] um instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de oportunizar, em todo momento, as propostas educacionais mais adequadas”.
A avaliação colabora com a ascensão cognitiva do aluno. Numa situação de ensino e aprendizagem a avaliação deve ser vista como uma intervenção pedagógica que ajuda o aluno a criar e percorrer a sua ZDP, ou seja, que o ajuda a se desenvolver e a superar desafios. Para Zabala (2002), a avaliação aumenta a autoestima e a motivação do aluno para continuar aprendendo:
O papel das avaliações sobre nosso trabalho, o momento e a forma como são produzidas, incide de modo quase definitivo na motivação para a aprendizagem. [...] Uma avaliação da própria atuação e dos resultados obtidos somente pode ser concebida a partir de uma perspectiva educativa que a entenda como meio para oferecer ajudas que permitam continuar aprendendo. Essa avaliação jamais pode ser concebida como uma sanção sobre os resultados, mas como o meio para ir avançando, como uma informação que incentive o estudante sem inibi-lo ao realizar as atividades de aprendizagem. (Zabala, 2002, p.123).
A avaliação deve permear todo processo de ensino-aprendizagem. Retomar constantemente o processo de aprendizagem é função de uma avaliação contínua e mediadora, não só no ensino presencial, mas também em propostas semipresenciais e a distância. Segundo Hoffmman (1998), que defende a realização e retomada de atividades de avaliação frequentes e sucessiva: “a ação avaliativa, enquanto mediação, não se caracteriza como um momento do processo educativo, mas é integrante e implícita a todo processo”.
A avaliação deve ser um momento de excelência para a aprendizagem. Para Sales et al. (2004): “uma avaliação mediadora oportuniza sempre o refazer, num processo contínuo de reconstrução do conhecimento, onde os erros são tomados como hipóteses para uma nova discussão, tornando-se um elemento dinamizador na (re)elaboração desse conhecimento”.
A avaliação deve ser o “instrumento dialético do avanço” (LUCKESI, 2006, p. 43), especialmente porque a aprendizagem, como cerne da ação avaliativa, é dinâmica. A avaliação deve ser um momento de satisfação em que se trabalha a redução das tensões entre aluno, professor, escola e sociedade. Momento em que se reconhecem os caminhos percorridos e se identificam os caminhos a serem perseguidos.
A avaliação deve inteirar-se de um mínimo necessário que transcende a própria nota. “A avaliação deverá verificar a aprendizagem não a partir dos mínimos possíveis, mas sim a partir dos mínimos necessários. (LUCKESI, 2006, p. 44), “[...] um mínimo necessário de aprendizagem em todas as condutas” (Ibid, p. 45) e não um mínimo de notas.
A avaliação deve incluir seus elementos constitutivos: Juízo de Qualidade, Dados Relevantes da Realidade e Tomada de Decisão, “são três variáveis que devem estar sempre juntas para que o ato de avaliar cumpra o seu papel” (LUCKESI, 2006, p.69), resumidos a seguir (Tabela 1).
Tabela 1 – Elementos Constitutivos da Avaliação
Juízo de Qualidade | Dados Relevantes da Realidade | Tomada de Decisão |
Qual a qualidade do objeto avaliado? Afirmação expressa por algum símbolo Atitude e não indiferença Comparação a um padrão Critérios pré-estabelecidos Mínimos necessários | Qual o padrão ideal? Indicadores específicos Caráter efetivo e objetivo da realidade Sinais do objeto da avaliação | O que fazer? Aceitar ou transformar o objeto avaliado Julgamento de valor Posicionamento de não-indiferença |
Fonte: extraído de Luckesi (2006, p. 33, 69-81) |
A avaliação, da mesma forma que ensino-aprendizagem, deve ser um processo, não no sentido de conter princípio, meio e fim, induzindo a algo estático, mas sim como algo dinâmico, flexível e circular, resultado da não indiferença acerca da realidade apresentada pelo aluno e sobre o qual atitudes de tomada de decisão, que o motivem a continuar aprendendo sejam sempre aplicadas. Para Viana: “A avaliação nunca é um todo acabado, autossuficiente, mas uma das múltiplas possibilidades para explicar um fenômeno, analisar suas causas, estabelecer prováveis consequências e sugerir elementos para uma discussão posterior, acompanhada de tomada de decisão, que considerem as condições que geraram os fenômenos analisados criticamente. (VIANA, 2000, p.18)”.
Referências
BLOOM, B. S.; HASTINGS, J. T.; MADAUS, G. F. Manual de Avaliação Formativa e Somativa do Aprendizado Escolar. S. Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1983.
HOFFMANN, J. Pontos e Contrapontos: do pensar ao agir em avaliação. Porto Alegre: Mediação, 1998.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez Editora, 2006.
PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
SALES, Gilvandenys Leite. LEARNING VECTORS (LV): Um Modelo de Avaliação da Aprendizagem em EaD Online Aplicando Métricas Não-Lineares. Tese. Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-graduação em Engenharia de Teleinformática. Fortaleza, CE, 2010, 236 f.
SCRIVEN, M. The Methodology of Evaluation. In: TYLER, R.; GAGNE, R.; SCRIVEN, M. Perspectives of Curriculum Evaluation. Washington, D.C: American. Educational Research Association, 1967.
VIANA, H. M. Avaliação Educacional e o Avaliador. São Paulo: BRASA, 2000. 192p.
ZABALA, A. A Prática Educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: ARTMED Editora, 1998.
______. Enfoque Globalizador e Pensamento Complexo: uma proposta para o currículo escolar. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2002.
Como bem se define em seu perfil: "um cara que ama o que faz"
ResponderExcluirEis ai toda a Lei e todo o mistério, o AMOR deve ser a a estrutura básica lógica de todas as relações.
Aélio.