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Alunos da escola pública em visita ao Lab. de Física do IFCE

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A Avaliação como Prática Pedagógica Diferenciada Fonte: Sales (2010, p. 44-48)


Já se passaram mais de 40 anos desde que Michael Scriven formalizou em sua obra “A Metodologia da Avaliação”, de 1967, as primeiras ideias de uma avaliação formativa (SCRIVEN, 1967). No início da década de 70, Benjamin S. Bloom e colaboradores classificaram as funções da avaliação em diagnóstica, somativa e formativa (BLOOM; HASTING; MADAUS, 1983).
Na medida em que a avaliação fornece aos alunos e professores acesso a informações e dados, que lhes habilitam a analisar o processo realizado e determinar avanços e crescimentos em direção à autonomia e maiores competências, ela deve ser entendida como diagnóstica. Esta função não tem sentido se não ceder espaço a ações individualizadas que procurem identificar no perfil de cada aluno suas habilidades e limitações. Para Luckesi (2006, p. 35), a avaliação como diagnóstica “é um momento dialético de senso do estágio em que se está e de sua distância em relação à perspectiva que está colocada como ponto a ser atingindo à frente”.
A função somativa tem por especificidade fornecer o grau de entendimento alcançado pelo aluno relativo a determinado conteúdo em momentos específicos e finais de um curso ou unidade didática. Entretanto, por vezes, é tomada como sinônimo de prova única aplicada ao final de uma etapa de aprendizagem, que pode não expressar a soma do todo construído no processo e, dessa forma, sofre distorção de sua função, sendo interpretada apenas por apresentar caráter previsível, classificatório, autoritário, comparativo, normativo, hierárquico, disciplinador, sancionador, que induz ao fracasso, que ojeriza os erros, que cria desigualdades, que tem fim em si mesma, que afasta, segrega e desmotiva a busca pela aprendizagem e que está tão presente da avaliação tradicional. É a lógica seletiva a serviço da sociedade como mecanismo de conservação e reprodução.
Em relação à função formativa, a avaliação, no sentido amplo de ser, muito mais do que uma medida, deve ajudar o aluno a progredir na direção dos objetivos traçados, validar as aprendizagens em curso, ser instrumento de feedbacks ao longo do processo ensino-aprendizagem, regular por meio de intervenções pedagógicas e contínuas as situações imprevisíveis do ambiente de aprendizagem, bem como respeitar o tempo da aprendizagem necessário ao aprendiz. É a lógica formativa, ou lógica a serviço das aprendizagens, para a qual avançam as pedagogias mais progressistas e diferenciadas.
Perrenoud (1999, p.14) pergunta: “se a avaliação formativa nada mais é do que uma maneira de regular a ação pedagógica, por que não é uma prática corrente?”. Pergunta que se propaga aos nossos dias: por que é tão difícil implantá-la atualmente? Por que a avaliação oscila ainda entre estas duas lógicas: a seletiva e a formativa? A resposta ele mesmo fornece, ao afirmar que a avaliação formativa “introduz uma ruptura porque propõe deslocar”, a regulação da ação em função da dinâmica do conjunto, “ao nível das aprendizagens e individualizá-la”, ou seja, implica em intervenções pedagógicas diferenciadas pensadas até o final do processo e inseridas numa visão global de regulação das aprendizagens.
Deslocar-se da ação homogenizadora sobre um grupo (o todo), que aparentemente é mais simples, para observar suas partes, é nesse ponto que reside a dificuldade para a apropriação das práticas de avaliação formativa na escola. Perrenoud (1999) cita que, além de políticas indecisas e obstáculos materiais e institucionais numerosos, as causas para a efetivação de uma avaliação formativa e de uma pedagogia diferenciada passam por:

[...] o efetivo das turmas, a sobrecarga dos programas e a concepção dos meios de ensino e das didáticas, que quase não privilegiam a diferenciação. O horário escolar, a divisão do curso em graus, a ordenação dos espaços [...] a insuficiência ou a excessiva complexidade dos modelos de avaliação formativa propostos aos professores [...] a formação dos professores. (Ibid, p. 16)

Uma avaliação que se alinhe a lógica a serviço das aprendizagens e que se enquadre numa pedagogia de ações diferenciadas, deve ter, portanto, o caráter de contínua formação e regulação das aprendizagens. Para Perrenoud (1999), uma avaliação formativa é:

Toda prática de avaliação contínua que pretenda contribuir para melhorar as aprendizagens em curso [...] (Ibid, p.78) [...]É formativa toda avaliação que ajuda o aluno a aprender e a se desenvolver, ou melhor, que participa da regulação das aprendizagens e do desenvolvimento no sentido de um projeto educativo (Ibid, p. 103). [...] Uma avaliação somente é formativa se desemboca em uma forma ou outra de regulação da ação pedagógica ou das aprendizagens. (Ibid, p.148)

Mesmo com todas as dificuldades de efetivação da lógica formativa da avaliação, as correntes pedagógicas têm procurado migrar o aluno para o centro do processo, colocando em foco as aprendizagens.
A Avaliação deve ser informativa e oportunizadora de aprendizagens. Para Zabala (1998), a finalidade da avaliação é ser[...] um instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de oportunizar, em todo momento, as propostas educacionais mais adequadas”.
A avaliação colabora com a ascensão cognitiva do aluno. Numa situação de ensino e aprendizagem a avaliação deve ser vista como uma intervenção pedagógica que ajuda o aluno a criar e percorrer a sua ZDP, ou seja, que o ajuda a se desenvolver e a superar desafios. Para Zabala (2002), a avaliação aumenta a autoestima e a motivação do aluno para continuar aprendendo:
O papel das avaliações sobre nosso trabalho, o momento e a forma como são produzidas, incide de modo quase definitivo na motivação para a aprendizagem. [...] Uma avaliação da própria atuação e dos resultados obtidos somente pode ser concebida a partir de uma perspectiva educativa que a entenda como meio para oferecer ajudas que permitam continuar aprendendo. Essa avaliação jamais pode ser concebida como uma sanção sobre os resultados, mas como o meio para ir avançando, como uma informação que incentive o estudante sem inibi-lo ao realizar as atividades de aprendizagem. (Zabala, 2002, p.123).

A avaliação deve permear todo processo de ensino-aprendizagem. Retomar constantemente o processo de aprendizagem é função de uma avaliação contínua e mediadora, não só no ensino presencial, mas também em propostas semipresenciais e a distância. Segundo Hoffmman (1998), que defende a realização e retomada de atividades de avaliação frequentes e sucessiva: “a ação avaliativa, enquanto mediação, não se caracteriza como um momento do processo educativo, mas é integrante e implícita a todo processo”.
A avaliação deve ser um momento de excelência para a aprendizagem. Para Sales et al. (2004): “uma avaliação mediadora oportuniza sempre o refazer, num processo contínuo de reconstrução do conhecimento, onde os erros são tomados como hipóteses para uma nova discussão, tornando-se um elemento dinamizador na (re)elaboração desse conhecimento”.
A avaliação deve ser o “instrumento dialético do avanço” (LUCKESI, 2006, p. 43), especialmente porque a aprendizagem, como cerne da ação avaliativa, é dinâmica. A avaliação deve ser um momento de satisfação em que se trabalha a redução das tensões entre aluno, professor, escola e sociedade. Momento em que se reconhecem os caminhos percorridos e se identificam os caminhos a serem perseguidos.
A avaliação deve inteirar-se de um mínimo necessário que transcende a própria nota. “A avaliação deverá verificar a aprendizagem não a partir dos mínimos possíveis, mas sim a partir dos mínimos necessários. (LUCKESI, 2006, p. 44), “[...] um mínimo necessário de aprendizagem em todas as condutas” (Ibid, p. 45) e não um mínimo de notas.
A avaliação deve incluir seus elementos constitutivos: Juízo de Qualidade, Dados Relevantes da Realidade e Tomada de Decisão, “são três variáveis que devem estar sempre juntas para que o ato de avaliar cumpra o seu papel” (LUCKESI, 2006, p.69), resumidos a seguir (Tabela 1).

Tabela 1 – Elementos Constitutivos da Avaliação
Juízo de Qualidade
Dados Relevantes da Realidade
Tomada de Decisão
Qual a qualidade do objeto avaliado?
Afirmação expressa por algum símbolo
Atitude e não indiferença
Comparação a um padrão
Critérios pré-estabelecidos
Mínimos necessários
Qual o padrão ideal?
Indicadores específicos
Caráter efetivo e objetivo da realidade
Sinais do objeto da avaliação
O que fazer?
Aceitar ou transformar o objeto avaliado
Julgamento de valor
Posicionamento de não-indiferença
Fonte: extraído de Luckesi (2006, p. 33, 69-81)

A avaliação, da mesma forma que ensino-aprendizagem, deve ser um processo, não no sentido de conter princípio, meio e fim, induzindo a algo estático, mas sim como algo dinâmico, flexível e circular, resultado da não indiferença acerca da realidade apresentada pelo aluno e sobre o qual atitudes de tomada de decisão, que o motivem a continuar aprendendo sejam sempre aplicadas. Para Viana: “A avaliação nunca é um todo acabado, autossuficiente, mas uma das múltiplas possibilidades para explicar um fenômeno, analisar suas causas, estabelecer prováveis consequências e sugerir elementos para uma discussão posterior, acompanhada de tomada de decisão, que considerem as condições que geraram os fenômenos analisados criticamente. (VIANA, 2000, p.18)”.

Referências
BLOOM, B. S.; HASTINGS, J. T.; MADAUS, G. F. Manual de Avaliação Formativa e Somativa do Aprendizado Escolar. S. Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1983.

HOFFMANN, J. Pontos e Contrapontos: do pensar ao agir em avaliação. Porto Alegre: Mediação, 1998.

LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez Editora, 2006.

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

SALES, Gilvandenys Leite. LEARNING VECTORS (LV): Um Modelo de Avaliação da Aprendizagem em EaD Online Aplicando Métricas Não-Lineares. Tese. Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-graduação em Engenharia de Teleinformática. Fortaleza, CE, 2010, 236 f.

SCRIVEN, M. The Methodology of Evaluation. In: TYLER, R.; GAGNE, R.; SCRIVEN, M. Perspectives of Curriculum Evaluation. Washington, D.C: American. Educational Research Association, 1967.

VIANA, H. M. Avaliação Educacional e o Avaliador. São Paulo: BRASA, 2000. 192p.

ZABALA, A. A Prática Educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: ARTMED Editora, 1998.


______. Enfoque Globalizador e Pensamento Complexo: uma proposta para o currículo escolar. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2002.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Concepção Sócio-histórica, Complexidade e a EaD

A psicologia histórico-cultural ou teoria sociocultural de Vigotski estabelece a aprendizagem como determinante do desenvolvimento do indivíduo e que sua interação com o ambiente social, com toda a sua experiência, história e cultura, ajuda-o no processo de apropriação ou internalização dos objetos culturais desse meio, assim como a desenvolver a sua capacidade cognitiva, cujo potencial pertence ao espaço delimitado pela “Zona de Desenvolvimento Proximal” (ZDP) (VYGOTSKY, 1998a), que varia de indivíduo para indivíduo.
Segundo Vygotsky (1998b), o processo de internalização ocorre do nível social para o nível individual, da relação entre pessoas para o interior da pessoa, partindo primeiramente de um processo interpessoal (interpsicológico), para, em seguida, transformar-se em um processo intrapessoal (intrapsicológico), o que sempre pressupõe pessoas inseridas num contexto socio-histórico.
A ZDP é definida como a diferença entre o atual nível de desenvolvimento do aprendiz (nível real) que, por ser capaz de poder aprender sozinho, demonstra esta ação na resolução independente de situações-problemas, e um nível maior de desenvolvimento (nível potencial), determinado por meio da solução de situações-problemas sob a ajuda de um adulto experiente ou em colaboração com um colega mais capacitado.
Esses saltos entre os níveis da ZDP, o que leva a crer numa aprendizagem como processo não-linear, auxiliam o aluno a alcançar crescentes graus de autonomia. O nível de desenvolvimento real caracteriza “o desenvolvimento mental retrospectivamente”, enquanto que a ação na ZDP caracteriza “o desenvolvimento mental prospectivamente” (Ibid, p.113).
O grau de independência do indivíduo é função do amadurecimento das funções psicológicas superiores que, nas teorias de Vigotski, são processos mentais não inatos relacionados à consciência dos atos intencionais de estabelecer relações, planejar, comparar, lembrar, imaginar, etc. desenvolvidos ao longo do processo de interação e internalização dos objetos de seu meio sociocultural.
Para Vigotski, a motivação comanda os pensamentos e “o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sociocultural [...]” (VYGOTSKY, 1998a, p. 62). O aluno internaliza o conhecimento por meio das trocas mediadas pela linguagem que, como ferramenta semiótica das interações sociais, estrutura e molda a linguagem interior, o pensamento.
Segundo Sancho e Hernandez (2006), um dos conceitos fundamentais de teorias com enfoque histórico-cultural ou sociocultural é o de mediação cognitiva:
O signo (linguístico ou não-linguístico), como elemento possuidor de significados, é o eixo sobre o qual circulam os processos de mediação. Por isto, o componente semiótico é transcendental. O reconhecimento de que a natureza da consciência é semiótica implica o reconhecimento de que o pensamento humano se forma pela aquisição, uso e domínio de instrumentos mediadores de origem cultural, dos quais o principal é a linguagem, o que levou a aprofundar a análise que permite conhecer o processo de construção da consciência individual e, portanto, da própria identidade e o papel que desempenha os instrumentos culturais (as tecnologias) nesse processo. (SANCHO; HERNANDEZ, 2006, p. 76)

Relativo à mediação, mecanismo presente em toda atividade humana e corresponsável pelo desenvolvimento das funções psicológicas superiores, tem-se que diferenciar as contribuições dos instrumentos técnicos e sistema de signos. Segundo Vigotski, cada um deles detém sua especificidade:
A função do instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna. (VYGOTSKY, 1998b, p. 72-73)
.

Dessa forma, não sendo direta a relação do homem com o objeto do conhecimento, a linguagem, como signo mediador e instrumento psicológico de intervenção, colabora na modelagem e estruturação do pensamento na negociação de significados que implicam em desenvolvimento e mudanças cognitivas.
O desenvolvimento do ser humano, nessa perspectiva socio-histórica, alinha-se às correntes de paradigmas emergentes, sistêmicos, não deterministas e não-lineares denominados por Edgar Morin como “paradigma da complexidade”. Para ele, é preciso “[...] enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza [...]. É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certezas” (MORIN, 2000, p.16). A aprendizagem está imersa na dialética entre certezas provisórias e dúvidas temporárias e não coaduna com dogmas deterministas.
O paradigma da complexidade assume que as incertezas é que comandam o avanço da cultura, assim todo sistema está constantemente na erupção da desordem. Por isso a compreensão do pensamento complexo exige o entendimento do tetragrama organizacional (Figura 1) e dos operadores da complexidade (MORIN, 1990, p. 189).
Figura 1 - Tetragrama Organizacional do Pensamento Complexo

Nessa tetralogia, que guia a atividade de qualquer sistema vivo, Ordem é relativo às regularidades; Desordem engloba as ideias de acidente, agitação, degradação, desorganização; Interação é uma ideia nodal, ativa, que abre vias às interrelações e ao ato de interagir sem uma anterior previsão; e Organização é para onde caminha o sistema, evolui, complexifica-se (FORTIN, 2005).
Os operadores responsáveis pelo funcionamento do pensamento são três: Operador dialógico e não dialético, Operador recursivo e Operador hologramático. O primeiro possibilita a dialogização entre elementos do sistema aparentemente distintos, junta-os, mas não faz a síntese deles. O segundo provoca a circulação do efeito sobre a causa, ou seja, um produz o outro. O último relaciona-se à impossibilidade de dissociar a parte do todo, já que a totalidade nunca é igual à soma das partes.
O pensamento complexo ajuda a assumir as relações de tensão entre o local e o global, entre o sujeito e o objeto do conhecimento, entre o individual e o coletivo, tentando fazer com que se estabeleça um canal de comunicação entre elementos, considerados aparentemente opostos, mas que podem dialogar entre si. Dessa forma, é simultaneamente concebível um indivíduo ser cem por cento natureza, provido de todas as suas incertezas e cem por cento cultura com toda a sua história. Para Rego:
Devido a essas características especificamente humanas torna-se impossível considerar o desenvolvimento do sujeito como processo previsível, universal, linear ou gradual. O desenvolvimento está intimamente relacionado ao contexto sociocultural em que a pessoa se insere e se processa de forma dinâmica (e dialética) através de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do indivíduo. (REGO, 2002, p.58)
.
Nesse contexto de desenvolvimento atrelado à natureza humana e sua relação com o meio socio-histórico cultural, onde processos dinâmicos e dialéticos entrelaçam-se e complementam-se, a aprendizagem só pode ser vista como um processo imprevisível, não-linear e caótico, que provoca contínuas reorganizações no sujeito cognoscente.
A aprendizagem deve ainda ser como um processo interativo e recorrente do sujeito com o meio. Para Moraes (2008, p.49) “o aprendido é o produto de conexões, que evoluem individual e coletivamente”. Portanto, deve permitir a coparticipação de outros sujeitos, em um processo coletivo de reconstrução da realidade, que também permita a cada sujeito sua auto-organização (MORAES, 2008; DEMO, 2002; MORIN, 1991).
Auto-organização que promova a autonomia e emancipação do aluno como sujeito proativo e gestor de sua aprendizagem e corresponsável pelo desenvolvimento do grupo à medida que se abre ao trabalho colaborativo. Para Moraes (2008, p.48): “é o significado compartilhado que constitui a base fundacional de um processo em EaD, aquilo que liga, religa e sustenta os vínculos entre as pessoas”. Já para Belonni (2001, p. 40), o aluno em EaD para ser considerado como ser autônomo deve ser “capaz de autodirigir e autorregular” seu processo de aprendizagem.
Segundo Moore (2002), a natureza e o grau de autonomia do aluno em EaD é um dos três fatores que afetam a distância transacional , os outros são: a estrutura dos programas educacionais e a interação marcada pelo diálogo educacional entre alunos e professores. Na Tabela 1, é apresentada a autonomia como algo relativo quando comparada a esses outros dois fatores.
Tabela 1 – Distância Transacional X Autonomia, Interação e Estrutura em EaD
Fonte: Sales (2010), baseado em Moore (2002)
Modelos de EaD que defendem uma maior autonomia do aluno não consideram a interação algo tão necessário e imprescindível, desde que os programas e materiais didáticos estejam fortemente estruturados. São modelos que defendem uma maior independência do aluno, o que provoca uma maior distância transacional.
Para Maia e Mattar (2007, p.17), o cenário mais criativo e inovador para EaD em relação à distância transacional seria aquele de “alto nível de interação entre os participantes, programas pouco estruturados (em que o tutor tem liberdade para produzir, organizar e alterar o currículo conforme o próprio curso progride) e autonomia para o aluno”. Nesse caso, autonomia é dependente da mediação do professor e, por conseguinte, com menor distância transacional.
Sob a óptica do pensamento complexo, a noção de autonomia deve estar atrelada ao de dependência, e é nessa visão que se encaminhará este trabalho. Segundo Robin Fortin, que fez uma profunda análise à obra de Edgar Morin:
Tudo o que é organização viva precisa do seu meio ambiente para a sua organização e reorganização, quer o meio ambiente seja o ecossistema ou a sociedade na qual ele se insere. De toda a maneira, nada de ativo na natureza é autossuficiente. A autossuficiência é um mito, um ponto de vista parcial e momentâneo sobre a realidade. Uma autonomia só tem sentido, como o repete Morin sem descanso, na dependência, graças à abertura pela qual ela se alimenta, se desenvolve e se complexifica. Com o homem é a cultura que, permitindo uma maior autonomia, aumenta a dependência do indivíduo face à sociedade. (FORTIN, 2005, p. 84)
.

Por tudo até aqui exposto, não se pode imaginar um modelo de EaD bem-sucedido derivado da simples transposição dos problemas existentes no tradicional modelo de ensino presencial para os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA).

NOTA: O texto adota o nome Vigotski no lugar de Vygotsky, face publicações recentes no Brasil, traduzidas diretamente do russo, já apresentarem esta grafia. Comunga-se com Duarte (2006, 2007), que defende a psicologia marxista de Vigotski como a que possibilita a compreensão da relação histórico-social do ser humano, o que a caracteriza como um modelo sociocultural ou socio-histórica, portanto, não se pode classificá-la como interacionista, ou sociointeracionista, ou ainda socioconstrutivista, pois são modelos que se valem da interação entre organismo e meio.


Referências:
BELONNI, M. L. Educação a Distância. Campinas, SP: Autores Associados, 2001. (Coleção educação contemporânea).

DEMO, P. Complexidade e Aprendizagem - A dinâmica não-linear do conhecimento. São Paulo, Atlas, 2002.

FORTIN, R. Compreender a complexidade: introdução a O Método de Edgar Morin. Trad. Armando Pereira da Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 2005.

DUARTE, N. Vigotski e o “Aprender a Aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas, SP: Autores Associados, 2006. (coleção educação contemporânea).

______. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas, SP: Autores Associados, 2007. (Coleção polêmicas do nosso tempo; v. 55).

FORTIN, R. Compreender a complexidade: introdução a O Método de Edgar Morin. Trad. Armando Pereira da Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 2005.

MAIA, C.; MATTAR, J. ABC da Ead: a educação a distância hoje. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

MOORE, M. G. Teoria da Distância Transacional. Publicado em Keegan, D. (1993) Theoretical Principles of Distance Education. London: Routledge, p. 22-38. Traduzido por Wilson Azevêdo, com autorização do autor. Revisão de tradução: José Manuel da Silva. Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância, São Paulo, Agosto 2002. Disponível em: http://www.abed.org.br/revistacientifica/Revista_PDF_Doc/2002_Teoria_Distancia_Transacional_Michael_Moore.pdf Acesso: 05/05/2010.

MORAES, M. C. Educação a distância e a ressignificação dos paradigmas educacionais: fundamentos teóricos e epistemológicos. In: M. C. Moraes, L. Pesce. A. R. Bruno. Pesquisando Fundamentos para Novas Práticas na educação online. São Paulo: RG Editores, 2008. p. 19 - 53.

MORIN, E. Science avec Conscience. Paris: Fayard, 1990.

______. Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.

______. Os sete saberes necessário à educação do futuro. Tradução de Catrina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 14ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

SALES, G. L. Learning Vectors: Um Modelo de Avaliação da Aprendizagem em EaD Online Aplicando Métricas Não-Lineares. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Ceará, Curso de Pós-Graduação em Engenharia de Teleinformática, Área de concentração: Eletromagnetismo, Orientador: Prof. Dr. Giovanni Cordeiro Barroso. Fortaleza, Ceará, 2010.

SANCHO, J. M.; HERNÁNDEZ, F. H. (org.). Tecnologias para transformar a educação. Tradução Valério Campos. Porto Alegre: Artmed, 2006.

VYGOTSKY, L. Pensamento e Linguagem. Tradução Jefferson Luiz Camargo, revisão técnica José Cipolla Neto. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998a.

______. A formação social da mente: O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, Organizadores Michael Cole...(et al.), tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998b.